sábado, 4 de setembro de 2010

Artimanhas inflam produção científica

Pesquisadores e revistas científicas criam estratégias para elevar
artificialmente o impacto de seus trabalhos

Criticado por cientistas, fator de impacto é o principal critério do
governo para avaliar produção científica
 
Quando o professor de ciências farmacêuticas da Universidade Federal da
Paraíba, José Maria Barbosa Filho, assumiu a editoria da Revista
Brasileira de Farmacognosia, em 2005, começou uma espécie de revolução.

Até então desconhecida, a revista foi inserida em bases científicas
nacionais e internacionais e ganhou posições de causar inveja em rankings
de publicações.

O segredo está no que ele chamou de "trabalho de garimpagem": o próprio
editor convidou pesquisadores para publicarem seus trabalhos e recomendou
que eles citassem artigos da própria revista em seus trabalhos.

A história é um exemplo do que os editores de publicações científicas
fazem para aumentar o fator de impacto (FI) de suas publicações.

O FI é o principal critério utilizado pela Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para avaliar a produção
científica. O sistema criado em 1998 para fazer essa avaliação, o Qualis,
tem sofrido críticas da academia.

Segundo os cientistas, o Qualis prejudica as publicações nacionais, já que
essas revistas não têm como concorrer com o FI (índice baseado no número
vezes que um artigo é citado por outros) de publicações internacionais.
Como estas têm mais citações e, em muitos casos, mais prestígio no meio
acadêmico, os pesquisadores brasileiros preferem publicar seus trabalhos
fora do país.

"Os brasileiros citam pouco os trabalhos daqui e publicam os melhores
artigos fora do país. A autocitação deve ser estimulada e isso não é
ilegal", afirmou Barbosa Filho à Folha.

MAQUIAGEM

A criatividade de Barbosa Filho para inflar a posição de sua revista no
ranking do Qualis não é única (veja quadro abaixo).

Segundo o professor da UnB Marcelo Hermes-Lima, elas derivam da política
da Capes que avalia qualidade de produção científica por meio de números.

"Ficam de fora do Qualis critérios como análise de citações por região
(que consideram as citações por Estado ou país)", diz Bruno Caramelli,
professor da USP e editor da Revista da Associação Médica Brasileira.

Caramelli integra um grupo de editores científicos que recentemente enviou
um e-mail à Capes solicitando revisão dos critérios do Qualis.

"Não acredito na extinção das revistas científicas nacionais. Mas se os
cientistas continuarem preferindo as internacionais, ficaremos numa
situação complicada", analisa o médico.

BRASILEIRAS

A Capes diz que não há problemas em avaliar a produção científica pelas
citações. "O fator de impacto é uma metodologia consolidada nas últimas
quatro décadas", afirma Lívio Amaral, diretor da Avaliação Científica da
instituição.

Segundo ele, a política da Capes é manter o apoio às revistas
brasileiras."Todos os países com desenvolvimento científico e tecnológico
têm as suas revistas. Na Europa há revistas com 200 anos."

Juntos, Capes e CNPq distribuem cerca de R$ 5 milhões por ano para 188
revistas científicas nacionais.

Quanto melhor classificada no ranking Qualis, maior é o montante de
dinheiro que a revista científica recebe das instituições de apoio.

Frase

"Os brasileiros citam pouco os trabalhos daqui e publicam os melhores
artigos fora do país. A autocitação deve ser estimulada pelo editores e
isso não é ilegal".
JOSÉ MARIA BARBOSA FILHO
Professor da Universidade da Paraíba

Impacto reflete na avaliação dos cientistas

DE SÃO PAULO

O fator de impacto (FI) acaba influenciando também a avaliação individual
dos pesquisadores, embora o sistema Qualis tenha sido criado inicialmente
para avaliar programas de pós-graduação e revistas científicas.

Lívio Amaral, diretor da Avaliação Científica da Capes, reconhece a
existência desse efeito colateral, que chama de "distorção".

Na opinião de Marcelo Hermes-Lima, da UnB, os pesquisadores deveriam ser
avaliados por critérios além da produção científica em revistas, como
orientações concedidas, palestras e artigos revisados.

"Ninguém mais quer ser revisor de revista científica porque não conta ponto".

“O fator de impacto é uma medida quase socialista porque avalia o
pesquisador pelos vizinhos que publicam na mesma revista. É um pecado
capital analisar a produção do indivíduo pelo FI", diz.

O FI é calculado a partir de um banco de dados da empresa Thomson Reuters,
com estatísticas sobre revistas científicas de todo o mundo.

De acordo com Rogério Mugnaini, estatístico e especialista em
cienciometria da USP, o ranking internacional do ISI utiliza critérios
além das citações.
"Há alguns anos, o ISI não divulgava claramente como fazia o ranking",
afirma. Apesar disso, os critérios internacionais de avaliação de produção
científica ainda geram dúvidas, diz.
(SR)

COMO AUMENTAR SEU IMPACTO

PRODUÇÃO SALAME
Divida o resultado de um trabalho em vários, publicando vários artigos

CLUBE DA COAUTORIA
Coloque nomes de colegas como coautores dos seus artigos, e eles retribuirão

MÁFIA DA CITAÇÃO
Se editar uma publicação, peça que os autores citem trabalhos da própria
revista

CELEBRIDADES
Ainda se for editor: convide (e até pague) cientistas famosos para
escrever resenhas para a sua publicação

AUTO-PLÁGIO
Publique o mesmo artigo em várias revistas

 Sabine Righetti, Folha de SP, 11/7
 Materia digitalizada: http://www.linearclipping.com.br/Capa/201071173526.jpg

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